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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

EPIFANIA imPRESSA

























(mas sem Pressa)

Quando os grilos acordam e as luzes das casinhas se apagam, aguardo entusiasmado a chegada do silêncio do sono da cidade. Nem toda ela dorme, é claro, mas a maioria das televisões são enfim desligadas depois de algum tempo. E os muito poucos que ouvem música, o fazem baixinho ou no fone, respeitosa e individualmente.

É muito gostoso conseguir ouvir a própria respiração sem precisar tampar os ouvidos. É gostoso ouvir o besouro batendo na lâmpada lá da cozinha. As bolhinhas de ar no aquário se esfarelando na superfície. O ronco da geladeira, o ruído da lâmpada incandescente, a água do vizinho descendo pelo encanamento dentro da parede; aquela estática urbana remanescente dos poucos veículos que trafegam ao longe e sem buzinas. Um ou outro galo cantando lá na favela do outro do vale, o cão daquela senhora ranzinza ali da vila latindo em dó maior a sua solidão no meio da noite. É gostoso prestar atenção aos vazios para destacar os conteúdos da música que a noite ronca. Um chôro de criança sendo acudida, a tosse do senhorzinho asmático lá da rua de baixo, o cantarolar de algum bêbado desvairado que, incapaz de se equilibrar no silêncio, canta na emergência por manter-se lúcido e em movimento.

O melhor mesmo é ouvir o som da ponta da caneta deslizando por sobre o papel, mas, principalmente, escutar com atenção o que ela vai registrando nele.

Somente no silêncio da quietude das coisas é que consigo ouvir com atenção as intimidades que desejo dizer a mim mesmo. E somente na língua do coração eu consigo escrever dessas coisas. Esse idioma quase individual costuma ter uma pronúncia toda particular e sobretudo doce, fundamentalmente generosa. Só pode ser falado se bem baixinho, e cantado quase em sussurro, como que para ninar uma criança assustada com os pesadelos. Uma criança tímida e solitária que trazemos escondida dentro de nós. No meio de tanta pressa somos cada vez mais incapazs de lembrar os nossos sonhos, nossas mensagens subliminares que ecoam durante o agito do dia.

O principal a se saber é que essa língua somente pode ser compreendida onde se instauram serenidade, compaixão e ausência de pressa.


Uirá Felipe Grano Gaspar – 13-12-2014 – Santa Teresa – Rio, RJ