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terça-feira, 29 de novembro de 2016

CASULO SENSORIAL





Por um ínfimo instante, assim pego bem de surpresa, um certo silêncio monumental ensurdeceu-me de tudo que trovejava ao meu redor. Todo o universo exterior, que antes me engolia numa surdez barulhenta, calou-se, inexplicável e simplesmente. Talvez não tenha durado mais que alguns segundos, não sei ao certo, mas meus pensamentos velozes e meu coração descompassado, pulsando vulcânico, fizeram essa sensação parecer ter durado toda uma eternidade, que indelével. 

De repente, não havia mais aquele somatório de burburinhos da centena de trabalhadores espalhados pelas salas e corredores ao meu redor. E todos aqueles inúmeros aparelhos de TV, que berravam, em caótico uníssono, de incontáveis direções, ficaram totalmente mudos; um susto e uma benção. E aquele som enlouquecedor das lâmpadas fluorescentes zumbindo, e ainda, todas as incontáveis máquinas com suas poderosas correntes elétricas infiltradas nas paredes, percorrendo os tetos todos, desligaram o somatório de vibratos em ecos sem fim, como um exército de insetos invisíveis que de repente param de marchar. Foi então que aquela imagem de um espelho de frente para outro, em reflexão infinita, não mais ilustrava toda essa minha recorrente angústia auditiva. O que exatamente estava acontecendo comigo?  

Eu estaria pois morrendo, assim, não mais que de repente? 
Seria esse o meu fim? Ou meu fim, seria pois, outro? 
Um novo começo então, com nova velocidade em outra direção?
Seria o despertar da minha real finalidade, uma real motivação?

O que eu senti mesmo foi uma paz inefável me percorrer por inteiro... Só o que eu podia ouvir eram meus próprios sons internos, a consciência do meu próprio ritmo vital me preenchendo de um aqui e agora totalmente particulares: meu coração um atabaque, nervoso feito capoeira de rua, minhas hemácias se esbarrando, se espremendo e se empurrando claustrofóbicas, fluindo esbaforidas tal qual um caótico engarrafamento apressado, através de meu labiríntico sistema circulatório... Meus pulmões se inflando, dois balões enormes, e o som do ar escoando lentamente pela minha boca, minha garganta seca se entreabrindo numa salivação intensa e inesperada, meus dentes calorentos do ar que os contornava antes de deixar meus lábios trêmulos e ferventes... 

Na realidade eu estava mesmo apavorado à princípio, meu ritmo cardíaco completamente acelerado e fora de controle, uma tonteira inescapável me fazendo crer que, no mínimo, eu desmaiaria a qualquer instante... Mas aquela súbita ausência dos tantos estímulos externos, todo aquele caos sonoro insuportável enfim me ofertando uma pausa até então inimaginável, ainda que misteriosa e súbita, todo aquele vazio que era ao mesmo tempo pânico e alívio, tudo isso me encheu foi de um estado de graça e uma estranhíssima gratidão quase mórbida, porque eu não fazia idéia do que estava me acontecendo de fato. Mas mesmo que eu desmaiasse nos próximos segundos, eu sentia essa serenidade incomensurável me adornar feito maresia noturna de verão. Era como um esquecimento, só que voluntário, como um trauma sendo deletado, sem dor nem resíduos, uma câimbra se anestesiando, músculo descontraindo, uma batalha que enfim se dava por vencida, mas ainda assim, vitoriosa...

Não, aquilo não havia sido uma surdez, não mesmo. Me dei conta que era justamente o oposto, um súbito controle pleno da minha hiper sensível audição, que inclusive apelidei de "m_audição" numa forma bem humorada de encarar tudo o que eu vinha me permitido suportar, indo tão contra meus mais primitivos instintos de reconhecer o habitat de minha felicidade ... Percebi que era apenas o despertar de um poder próprio, o de ter enfim algum controle para ouvir somente aquilo que me interessava de fato: toda uma epifania transformando minha consciência dentro daqueles breves instantes. 

Meu próprio organismo, era só o que eu queria sentir então, queria saber-me novamente, me permitir reconhecer meu princípio vital novamente, e só ouvir minhas próprias emoções, que sonho! Foi como alcançar o auge de um estado meditativo mesmo em meio à uma multidão urbanóide do centro da cidade às seis da tarde de uma sexta-feira afobada e turbulenta...

Mas era só mais uma quarta-feira, típica, ilhada no meio de uma semana que, a cada dia, parecia mais e mais longa do que o de costume... Apenas um fragmento de um mesmo cotidiano, adoecido pela ansiedade de uma pressa artificial, uma tal pressão tão ilusória que, diariamente, contaminava um a um todo o coletivo de trabalhadores que dividiam aquele espaço. Estavam todos muito mais acostumados a reagir que de fato agir; igualzinho aqeula histeria que se espalha veloz entre os banhistas da praia do arpoador sob a ameaça de um possível arrastão, que na maioria das vezes não é absolutamente nada... Todos os dias um tsunami arrasta à todos naquele ambiente de trabalho, sem que percebam a loucura que os afoga até expelirem, seja numa voz alterada ou num ataque de raiva incoerente, um pouco do veneno de suas frustrações pessoais, inconsequente e inconscientemente. 





Três segundos? 30 segundos? Um terço de um segundo? Tudo que vivi, senti e aprendi naquele ligeiro intervalo sensorial, me causou um terremoto existencial, uma reação em cadeia, transformando cada célula de meu corpo sem que eu pudesse voltar atrás... Era a expansão de minha consciência, acessando uma nova dimensão de pensamento; sabia desde então que jamais voltaria ao antigo estado de alienação...

E todo o meu medo revelou-se então coragem, e aquilo tudo que era dúvida, fez-se decisão. A velocidade realmente pouco importa quando encontramos a certeza calma de uma direção em sintonia com a alma e o coração.


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